A moda do agora é um fenômeno social de difícil definição diante da amplitude e diversidade de conceitos. Complexa e volúvel, para alguns é linguagem por direito próprio, para outros, desempenha um papel social importante e, por isso, é objeto de estudo multidisciplinar. Massimo Baldini, em A invenção da Moda – as teorias, os estilistas, a história lista dez fatores que criaram as premissas da situação atual, de uma sociedade de modas.
1. Revolução Francesa e fim das leis sumptuárias

Roupas, cores, tecidos que cada categoria social devia usar foram definidos durante séculos pelas leis sumptuárias. A abolição total desse tipo de legislação em um país europeu, em 1793, foi fruto da Revolução Francesa de 1789. Embora não fossem aplicadas de modo rigoroso há muito tempo, o decreto que suspendeu essas regras afirmou o princípio democrático de vestuário.
2. Revolução têxtil e a indústria da moda

O grande número de inovações tecnológicas do século XVIII teve forte impacto sobre a manufatura têxtil. Em 1721, Henry Browne patenteou a máquina de separar fibras de cânhamo. Em 1764, James Hargreaves inventou uma máquina de fiar simples e econômica que foi adquirida por muitos camponeses e artesãos, que passaram a fiar e enrolar seis fios de uma vez.
3. Afirmação da Burguesia

O início da democratização da moda, da igualdade de aparências que caracteriza a moda contemporânea, deve-se à burguesia. Apenas com a ascensão da burguesia que passa a existir uma possibilidade real de mobilidade de classes, em substituição à aristocracia parasitária. Na condição de forma de expressar atitude de competitividade, a moda se tornou um fenômeno socialmente relevante. É curioso notar que os burgueses, durante a Revolução Francesa, fizeram a “grande renúncia” e os homens abandonaram a pretensão da beleza para se ocupar de praticidade. Eles confiaram às mulheres a tarefa de serem as sentinelas da vanguarda da moda.
4. Máquina de Costura

Em meados do século XIX, Isaac Singer, industrial estadunidense, deu à máquina de costura a forma moderna, A partir de 1856 adotou um sistema de vendas baseado em pagamentos parcelados que permitiu distribuí-la para o mundo todo. A máquina de costura permitiu que as classes populares e a pequena burguesia confeccionassem em casa as próprias roupas e exprimissem preferências pessoais com mais liberdade. Foi uma ferramenta para que muitas mulheres pudessem dar asas à própria criatividade. Para muitos, foi a única porta de entrada para o mundo da moda.
5. Revistas de Moda
Les Journal des Dames et des Modes foi a primeira revista de moda, publicada em 1797. O surgimento da imprensa de moda ajudou a divulgar os modelos que as senhoras de “alta-roda” vestiam, levar informações da última moda parisiense aos alfaiates de províncias e leitoras mais isoladas. Na Era da Informação, as possibilidades de ser contagiado pela última moda por meio de imagens multiplicaram.
6. Grandes Armazéns

Os primeiros grandes empórios comerciais surgiram em Paris e Londres do século XIX. O primeiro grande armazém abriu em Paris em 1824 e chamava-se A la belle jardinière. Apenas entre 1850 e 1860, com a chegada dos primeiros bondes de tração animal, foi possível alargar a zona de atração a todos os bairros da cidade. Os primeiros grandes armazéns educaram os consumidores a comprarem produtos em série.
7. Le Gros e a ascensão social dos coiffeurs
Na segunda metade do século XVIII surgiram os novos protagonistas do mundo da moda, os coiffeurs. Descritos como singulares, vestiam-se de modo elegante com casacos vermelhos, calções pretos, meias de seda cinzenta, de espadachim à cintura e autointitulavam-se “primeiros oficiais” da toilette feminina. Tinham ricas casas e criadagem, pois eram muito bem pagos. Conseguiram, com um século de dianteira dos costureiros, conquistar autonomia criativa. Foram os primeiros no mundo da moda a declararem-se artistas, como pintores e escultores. Le Gros ocupou um lugar de destaque naquele mercado. Abriu uma academia de penteado, preparava cabeças de moças pobres por uns trocados e as colocava para desfilar para serem vistas pelas mulheres ricas nas ruas de Paris. Participava de eventos para mostrar seu trabalho, começou com 30 bonecas e chegou a uma centena.
8. Charles-Frédérick Worth transforma o alfaiate em artista
Em 1857 Worth inaugurou em Paris uma loja-laboratório e inventou a Haute Couture e transformou o alfaiate, um artesão repetitivo e tradicional, em um criador, gênio artístico moderno. Ele ousou com algo inédito: colocou à venda alguns vestidos confeccionados. Com isso, ele afirmou o princípio de que o alfaiate, e não quem veste o vestido, é o verdadeiro ‘senhor da moda’. Ele criou o conceito de estação e foi o primeiro a usar mulheres como modelos, as manequins. Com ele, a moda do vestuário se transformou em um espetáculo.
9. As mulheres e sua paixão pela moda
Moda na Primeira Guerra Mundial
As mulheres favoreceram as mudanças nos costumes, hábitos e cultura. Com a Revolução Francesa, a burguesia, ao contrário da nobreza – cujos homens cultivavam a moda em primeira pessoa e possuíam roupas mais ricas, coloridas e vistosas do que as das mulheres do povo – depositou em mãos femininas a liderança da moda. Apenas na Primeira Guerra Mundial, com a generalização do trabalho feminino, é que as mulheres tiveram a chance de exercer essa liderança com plena autonomia financeira. Desde então, a moda desenvolveu-se vertiginosamente.
10. A revolução do prêt-à-porter

No final dos anos 1970 ocorreu a revolução democrática da moda que foi chamada de prêt-à-porter, pronto para vestir. Até aquele momento, o mercado tinha o segmento da Alta Moda, com preços inacessíveis para pessoas comuns, e roupas fabricadas em série a baixo custo. O meio do caminho trazido pelo prêt-à-porter estetizou a moda industrial e fez oscilar o pêndulo da moda de elite para a moda de massa. Essa modalidade democratizou as griffes, multiplicou o número de marcas. E também criou o fetichismo e a banalização da moda e fez surgir a pirataria e sua versão populista da democracia na moda.
Contexto
Além desses fatores, Baldini relaciona fatores políticos, sociais, econômicos, culturais, tecnológicos e psicológicos que contribuíram para o sucesso da moda e sua consolidação na sociedade atual. Ele aponta que a moda é filha de uma complexa constelação de causas: o aparecimento da sociedade aberta e da invenção da escrita e da imprensa, das cortesãs e das cidades cosmopolitas e comerciais, da secularização do amor e da afirmação do relativismo, mas também de duas atitudes mentais convergentes: o amor pelo novo e a tirania do presente.

Apenas em uma sociedade aberta, racional e crítica, o indivíduo a tomar decisões para que a moda floresça. É preciso ainda culturas da escrita e, em especial, as da imprensa, para o avanço da moda. Ele é urbana, de centros cosmopolitas de comércio e das capitais, nasceu em cidades ricas e é fertilizada pelo acúmulo de riqueza. Encontrou nas mulheres e nos jovens seus mais valiosos defensores. Em especial as cortesãs, mestras de elegância que encararam em todas as épocas uma nova imagem feminina.
A moda é a sacralização do novo e a deificação do presente. É a apoteose da renovação lúdica e a santificação do poder de mudar. É emancipação do passado e do futuro.
Massimo Baldini