
Em plena Era da Informação, com a Quarta Revolução Industrial em curso e o colapso climático mudando nossa relação com a natureza, a Moda é uma força de expressão para a mudança que beneficia a vida no Planeta. A transformação está no Twitter da modelo famosa, na luta identitária das minorias, no protesto político na passarela, no comércio justo, na segurança alimentar de quem cultiva as fibras que vestimos, nas condições de trabalho e segurança social para quem desenha, costura, transporta, estoca, produz, divulga e vende.
A mudança na moda, ou pelo menos a necessidade dela, está na capacitação de jovens para automação, internet das coisas, inteligência artificial e indústria 4.0, no uso racional da água, na preservação dos biomas, no enfrentamento à desigualdade, na inclusão, na arte, na geração de emprego e renda, na sustentabilidade e nos afetos. A moda, como sempre, se reinventa. Ela é o espelho do tempo presente.
Moda é potência, voz, contemporaneidade. Essa força ecoa, por exemplo, no ativismo ambiental de Gisele Bündchen, que falou com Michel Temer em favor de áreas protegidas da Amazônia.
.@MichelTemer, veto as propostas que ameaçariam 600k de hectares de área protegida na Amazônia brasileira. https://t.co/KkKF4MrhGg
— Gisele Bündchen (@giseleofficial) June 12, 2017
Depois de uma semana, o então presidente usou a mesma rede social para responder: “Gisele e WWF, vetei hoje integralmente todos os itens do MPs que diminuíam a área preservada da Amazônia“.
Estilistas como a britânica Katharine Hamnett, que na década de 1980 passou a usar a moda como uma plataforma para o seu ativismo em prol dos oceanos, do algodão orgânico e causas sociais, fortaleceram a construção de um cenário onde a moda passou a ser usada como plataforma política.
Vivienne Westwood, primeira-dama do punk inglês, é outra referência da moda ativista. Ela criou o movimento Climate Revolution para levantar pautas sobre questões climáticas, além de fazer parcerias com outras organizações e difundir a mensagem sobre moda consciente. Uma de suas famosas frases é: “compre menos, escolha melhor e faça durar”.
Para pautas identitárias, o ativismo na moda tem caimento perfeito. Como o casal de modelos Finn Buchanan, um homem trans e Maxim Magnus, uma mulher trans, engajado em conquistar espaço para profissionais transgêneros na indústria na moda. Nas redes sociais, eles criaram o movimento #TransIsNotATrend (“trans não é uma moda”), enquanto cruzam passarelas desafiando padrões de gênero.
Hanne Gaby Odiele é belga e intersexual, ou seja, nasceu com órgãos e características de ambos os sexos. Em suas redes sociais, discute sua experiência de ter passado por diversas cirurgias na infância, e de ter descoberto ser intersexual aos 17 anos. Hoje, luta pelo fim das cirurgias de confirmação de gênero em crianças, quando elas ainda não têm poder de escolha sobre o próprio corpo.
Ativismo brasileiro
No Brasil, Bia Saldanha faz parte da história do ativismo na moda. Ainda nos anos 1980, após o assassinato de Chico Mendes, ela disse em entrevista que não bastavam as camisetas e as palavras de ordem nas passeatas, nem as matérias nos jornais. Ela percebeu que não salvaria a Amazônia de Ipanema. Dois meses depois, foi chamada para uma missão em Altamira (PA) e pode conhecer a floresta. A experiência foi um divisor de águas na vida dela e a colocou a serviço da floresta. Hoje, é a estilista responsável pela comunidade de seringueiros que produzem para a marca de tênis Vert.
Temas socioculturais, ambientais e políticos são a marca registrada do estilista mineiro Ronaldo Fraga. Em 2016, ele liderou um manifesto por respeito aos transexuais a SPFW daquele ano. “A mensagem foi travestida em imagem potente de moda através da sensibilidade das décadas que inspiraram a coleção, de 1920 e 30”, escreveu a Vogue Brasil à época.

Este ano, na SPFWN47, Ronaldo Fraga apresentou a coleção inspirada na obra “Guerra e Paz”, de Cândido Portinari. Os dois painéis foram encomendados pela ONU e contrapõe o massacre do povo e sua capacidade em expressar alegria. Em um exercício de ficção, Fraga questiona Portinari como seria tal obra diante da atual situação lamentável do país?
O desfile de Fraga fez ecoar um manifesto político contra os inúmeros retrocessos políticos, sociais e ambientais em curso. Como é marca em sua trajetória, ele mostra que a passarela é também local de resistência política. Ao longo de sua carreira, ele contou várias histórias por meio da moda e, de forma lúdica, colorida e fluida, abordou assuntos conectados com o dia a dia das pessoas comuns.
Em novembro de 2018, logo após a eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência da República, a Think Blue, marca carioca de jeans reciclado, apresentou modelos segurando cartazes de cunho político. Foi durante a 2ª edição Brasil Eco Fashion Week (BEFW), entre o dias 15 e 17, no Unibes Cultural, em São Paulo.
A Think Blue é liderada pela designer e fundadora da marca Mirella Rodrigues, que trabalha com upcycling de jeans garimpados ou doados. Ela pratica um modo de produção circular, não usa um rolo de tecido novo, por exemplo. Apenas o que já existe. Dá um novo destino às peças consideradas descartáveis.
Durante o desfile, as modelos entraram segurando cartazes com frases machistas, homofóbicas e misóginas proferidas pelo atual ocupante do Palácio do Planalto.
Leia também:
Ronaldo Fraga representa a moda ativista por reafirmação cultural
O debate político em favor de uma indústria da moda justa e responsável
Upcycling ou greenwashing: resíduos têxteis no Brasil